Coletânea traz inteligência de Shaw

O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, em Todo mundo é político, afirma que “é impossível haver progresso sem mudanças, e aqueles que não conseguem mudar suas mentes nada mudam.

George Bernard Shaw (1856-1950) é tudo o que muito crítico, prefaciador de livro e escrevinhador de jornal brasileiro ainda gostaria de ser.
Cada comentário que se faz por aqui a respeito do crítico, ensaísta e dramaturgo irlandês escorrega para o tom de adulação, compreensão superficial e falso distanciamento de uma obra que causa sobretudo excitação intelectual.
O lançamento dessa coletânea de prosa crítica é mais uma oportunidade de observar esse espetáculo de bossalidade e pedantismo.
O livro reúne cartas, resenhas e artigos do autor de “Major Barbara” (1905) sobre teatro, música, política e temas variados.
Shaw foi um gênio das idéias e da argumentação, em cujo exercício era ligeiro, caudaloso e pessoal -tudo isso com um toque de irreverência que ainda hoje confunde leitores e apreciadores, que tratam dele como se fosse uma grande brincadeira.
Mas Shaw era seriíssimo. Ele foi o grande inovador do teatro inglês da época vitoriana, introduzindo neste o drama de idéias.
A maior parte de suas peças -entre elas as conhecidas “Santa Joana” (1924), “Homem e Super-Homem”(1905) e “Pigmalião”(1912) -satiriza o conservadorismo da sociedade inglesa.
Nos longos prefácios de Shaw a “Major Barbara” e “Super-Homem”, incluídos nessa “Prosa Crítica”, é possível acompanhar o trabalho de transposição das idéias do crítico e jornalista para o universo do teatro, sempre com humor e surpresa.
Pensador visionário e homem de opiniões intrépidas, ele transformou seu trabalho num grande “quem sou e o que penso” (título de uma espécie de entrevista dada a um editor, também incluída no livro), com direito a expor detalhes de suas excentricidades e idiossincrasias. Exemplo disso é o artigo “Ir à Igreja” e todas as considerações em defesa do vegetarianismo, de que era adepto.
O melhor de ler Shaw é acompanhar as circunvoluções de sua inteligência acelerada e profunda. É ver as assertivas de seu pensamento, às vezes paradoxais, se transformarem em dogmas filosóficos.
Um dos melhores textos dessa coletânea é “As Ilusões do Socialismo”, em que o socialista Shaw traça os rumos do socialismo -“Ninguém questionará que o socialismo, se é que ele deve ser visto com seriedade e atenção em nossos dias, tem de consolidar-se no campo das ciências políticas e não no dos dogmas sentimentais.”-, mas não sem antes tratar da felicidade humana e de centenas de outros caminhos.
Sobre escrever, o dramaturgo é cético como se deve ser: “Nunca senti inclinação para escrever (…) o amador, o colecionador, o entusiasta de uma arte é o homem que não tem a faculdade de produzi-la.”
“Os filósofos já nos avisaram de que, dentre todas as buscas, a da felicidade é a mais desafortunada, e que a própria felicidade nunca foi encontrada, salvo no caminho de algum outro objetivo.”

Marilene Felinto
21 Dezembro, 1996

Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/12/21/ilustrada/20.html. Acesso em: 04 de agosto de 2020.