Leia o texto a seguir.
TEXTO 1
DA LEVEZA – Gilles Lipovetsky
Nunca vivemos em um mundo material tão leve, fluido e móvel. Nunca a leveza criou tantas expectativas, desejos e obsessões. Nunca ela incentivou tanto o comprar e o vender. Nunca o que Nietzsche escreveu soou tão justo aos nossos ouvidos: “É bom o que é leve; tudo o que é divino se move com pés delicados.”
O leve preenche cada vez mais nosso mundo material e cultural; invadiu nossas práticas comuns e remodelou nosso imaginário. Antes admirado apenas no campo da arte, tornou-se um valor, um ideal, um imperativo nas mais variadas esferas: objetos, corpo, esporte, alimentação, arquitetura, design. Em toda parte se afirma, no coração da era hipermoderna, o culto polimorfo da leveza. Seu campo era circunscrito e periférico: não vemos mais seus limites, pois ele se imiscui em todos os aspectos de nossa vida social e individual, nas “coisas” e nos seres, nos sonhos e nos corpos.
Durante muito tempo, na esfera tecnoeconômica, a prioridade foi dada aos equipamentos pesados. Agora é dada ao ultraleve, à miniaturização, à desmaterialização. O pesado evocava respeito, seriedade e riqueza; o leve, a quinquilharia, a ausência de valor. Este universo não é mais o nosso. Vivemos uma imensa revolução do mundo material, na qual as tecnologias e os mercados remetem muito mais às lógicas do leve do que às do pesado. E esta dinâmica se complementa de uma revolução simbólica, na medida em que o leve, por tanto tempo inferiorizado e desprezado, foi adquirindo um valor positivo. A leveza não está mais associada à falta, mas à mobilidade, ao virtual, ao respeito ao meio ambiente. Este é o tempo da revanche do leve – um leve admirado, desejado, que captura sonhos, mensageiro de enormes promessas e também de terríveis ameaças.
A leveza não se limita mais a uma agradável fantasia poética. Ela remete ao nosso cotidiano tecnológico, a um universo que se tornou transitório e nômade. “Small is better”: nosso cosmo técnico irresistivelmente miniaturiza-se, torna-se mais leve, desmaterializa-se. Ouvimos qualquer música do mundo em aparelhos leves como o ar. Vemos filmes em tablets com telas sensíveis ao toque que cabem no bolso. Microeletrônica, microrrobótica, microcirurgia, nanotecnologia, o infinitamente pequeno se impõe como a nova fronteira da inovação e do progresso. De agora em diante, a leveza está menos no estilo que nos novos materiais, nas redes digitais, na extrema miniaturização. Passamos da leveza imaginária à leveza do mundo.
O desejo de leveza se expressa nos campos mais diversos: moda, design, decoração, arquitetura. Da mesma forma, a relação com o corpo vê irromper as paixões pelo aéreo e pela “linha”. Nos ares planam os parapentes e as asas-delta; sobre as ondas, as pistas de neve e o asfalto evoluem corpos aéreos que se entregam aos esportes de deslizamento. E quem, hoje em dia, não sonha em manter o corpo eternamente jovem e esbelto? Os livros de dieta proliferam, os produtos “light” podem ser encontrados nas prateleiras de todos os supermercados, a lipoaspiração torna-se uma prática de massa, as academias de ginástica florescem, as top models apresentam um visual “anoréxico”, as imagens do corpo liso e longilíneo invadem revistas e telas. Nessa cultura, que se tornou lipofóbica, “nada é tão bom quanto a magreza”, declara o ícone da moda, Kate Moss.
A ligação com o imediato, o superficial e o leve não se reduz mais a uma atitude individual em relação à vida ou aos outros. Ela agora se impõe como modo de funcionamento econômico e de cultura global. Com o capitalismo de hiperconsumo, setores inteiros da vida econômica se veem reestruturados pela lógica frívola da eterna mudança, da inconstância e da sedução. Um funcionamento análogo ao sistema da moda organiza o capitalismo hipermoderno nos mesmos moldes do capitalismo da sedução. “Gadgets”, propagandas divertidas, reality shows e games, música popular e de programas de auditório, espetáculos e animações contínuas: a oposição entre o econômico e o frívolo se embaralhou; nosso princípio de realidade se confunde agora com o princípio de superficialidade. Universo da necessidade e universo fútil se entrelaçam, se cruzam, se hibridam: a lógica da leveza não é mais o “outro” da realidade econômica; ela é seu coração.
Vivemos a era do triunfo da leveza tanto no sentido próprio como no figurado do termo. É uma cultura cotidiana de leveza midiática que nos governa, uma vez que o universo do consumo não para de exaltar os referenciais hedonistas e lúdicos. Por meio dos objetos, do lazer, da televisão, da publicidade, difunde-se um clima de diversão permanente e de incentivo para que se “aproveitem” os prazeres imediatos e fáceis. Ao substituir a repressão pela sedução, o dever intransigente pelo hedonismo, a solenidade pelo humor, o universo consumista tende a se mostrar como um universo esvaziado de toda gravidade ideológica, de toda dimensão de sentido. O leve, quer seja compreendido no sentido próprio ou no sentido figurado, tornou-se um dos grandes espelhos em que nossa época se reflete.
Adaptado de: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2016/%E2%80%98Da-leveza%E2%80%99
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