Poema “Não há vagas”, de Ferreira Gullar

“O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás, a luz, o telefone”. O célebre poema de Ferreira Gullar, “Não há vagas”, critica o preço exorbitante que produtos básicos para a existência têm no Brasil, pontuando como é difícil pensar em cultura quando se vive constantemente em condições de subsistência.

Não há vagas

Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado: “não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

Disponível em: https://portal.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/noticias_internet/textos_diversos_pente_fino/naohavagas_0.pdf. Acesso em: 21 de julho de 2020.